Portfólio

Monday, February 18, 2013


Não foi só o cheiro que mudou, foi todo o resto, mas a forma de guardar os talheres continua a mesma, claro. Há muito mais ali. Existe uma vista que é completamente diferente, o jeito de guardar as roupas é novo, agora em malas. Um amontoado de coisas soltas e largadas, irresolvíveis. Não tem como por ordem em nada, está tudo diferente, e completamente bagunçado. As caixas, as madeiras, os cabides, nada mais existem, e se um dia voltarem, serão novos. Mas como não há nada certo, por ora, continuarão sem existir.

O cheiro é outro, as palavras, desconhecidas, as pessoas, desimportantes, ou importantes em excesso. Tudo está em excesso. A fome é pouca, mas a vontade de comer é intensa. O desejo vibra muito além do que jugou ser possível outrora. 

Está em seu quarto novo, quieta. Atrás da porta há um barulho ensurdecedor, o volume da TV está alto, mas não tem vontade de pedir para baixar. Apesar dos desejos pulsarem em toda a sua entranha, nada a faz sair daquelas paredes, atravessar aquela porta nova, de um tom completamente diferente.

Mas é o cheiro que realmente incomoda, ou a falta dele, ainda não consegue identificar algum cheiro naquele lugar. É a falta de um cheiro novo (ou de qualquer um que seja familiar) que torna tudo vazio. 

Tuesday, September 25, 2012

Psicopata Americano (Bret Easton Ellis, 1991)

“…há uma idéia de um Patrick Bateman, uma espécie de abstração, mas não existe um eu real, apenas uma entidade, algo ilusório, e embora eu possa esconder meu olhar frio e você possa apertar minha mão e sentir a carne apertando a sua e talvez você possa até pensar que podemos comparar nossos estilos de vida, eu simplesmente não estou aqui. É difícil para mim fazer sentido em qualquer nível dado. Meu eu é inventado, uma aberração. Sou um ser humano nada contingente. Minha personalidade é vaga e informe, minha falta de sentimento é profunda e persistente. Minha consciência, minha piedade, minhas esperanças desapareceram há muito tempo (provavelmente em Harvard), se é que jamais existiram. Não há nenhuma outra barreira a ser vencida. Tudo o que tenho em comum com o incontrolável e o insano, o cruel e o mal, todo o horror que causei e minha total indiferença a ele, já superei. Porém, acredito ainda numa terrível verdade, ninguém está a salvo, nada é redimido. Contudo, sou isento de culpa. Devemos pressupor uma validade para cada modelo de comportamento humano. Você é o mal? Ou é alguma coisa que você faz? Minha dor é aguda e constante e não espero um mundo melhor para ninguém. Na verdade, posso desejar muita dor para os outros. Não quero que ninguém escape. Mas, mesmo depois de admiti-lo - e já o admiti muitas vezes, quase em todos os atos que cometi -, e enfrentando essas verdades, não há catarse. Não adquiro um conhecimento mais profundo a meu respeito, nenhuma nova compreensão pode ser tirada se eu contar para alguém. Não há nenhuma razão para que conte tudo isso. Esta confissão não significa coisa alguma…”

Tuesday, August 28, 2012

E eu também não amo ninguém.

É bem verdade que esse título é uma mentira, amo sim, demasiadamente. Mas não é disso que falo, não desse amor incondicional que tenho sobre os meus, essa coisa que me é rara e cara. Falo do amor romântico mesmo, o amor de namoradinho.

Não tenho namorado, e não pretendo arranjar algum até que seja minimamente útil. Sempre me pareceu meio adolescente falar de amor, mas como esse assunto tem sido recorrente, tenho pensado bastante sobre isso. Podem me atirar uma pedra, tudo certo, mas eu realmente acho que namorar cansa, ter que estar 24 horas ligada em outra pessoa. Talvez o meu modelo de namoro tenha sido equivocado, mas no meu modelo de namoro foi assim, a gente namora 24 horas por dia, sem intervalos para comer, pensar, andar, viver. Não estou de todo reclamando, eu não fui casada, eu morei longe do outro por anos, a pessoa existia, a presença física diária não, mas ele era onipresente, eu o carregava comigo, dia após dia, hora após hora. 
A questão é que como o tempo se percebe, ou eu percebi, que existe algo para além do amor, que é a vontade. O mito do amor romântico, para mim, caiu por terra a muitos anos. A vontade seria algo que norteia nossos dias, é ela quem causa toda essa angústia de ser e estar no mundo, e é ela que deve ser levada a sério. E não essa amarra social do status do compromisso de fidelidade, ou seja o que isso for. Se tu quer alguém, fica com esse alguém, vive com ele, respira a presença dele, mas não de uma forma amarrada, e sim como algo natural e bacana, algo que gire em torno da cumplicidade e não da obrigatoriedade.  

Monday, August 27, 2012

É sintoma de doença grave o medo do sonho. Mas tenho uma capacidade enorme de engolir dúvidas e descobrir forças.

Trecho do Viagem à luta armada, Carlos Eugênio Paz

Thursday, June 28, 2012

não me agradam
essas coisas que despertam
barulho, susto, água fria
tudo na minha cara
mais nenhum sonho por perto
...
não me agradam
essas coisas sem poesia
uma noite só noite
um dia só dia

Aline Ruiz, Noite e dia

Thursday, April 05, 2012

Break yourself, or do it yourself.

Monday, October 24, 2011

Muito cedo na minha vida foi tarde demais.

"Muito cedo na minha vida foi tarde demais. Aos dezoito anos era já tarde demais. Entre os dezoito e os vinte e cinco anos o meu rosto partiu numa direção imprevista. Aos dezoito anos envelheci. Não sei se é assim com toda a gente, nunca perguntei. Parece-me ter ouvido falar dessa aceleração do tempo que nos fere por vezes quando atravessamos as idades mais jovens, mais celebradas da vida. Este envelhecimento foi brutal. Vi-o apoderar-se dos meus traços um a um, alterar a relação que havia entre eles, tornar os olhos maiores, o olhar mais triste, a boca mais definitiva, marcar a fronte de fendas profundas. Em vez de me assustar, vi operar-se este envelhecimento do meu rosto com o interesse que teria, por exemplo, pelo desenrolar de uma leitura. Sabia também que não me enganava, que um dia ele abrandaria e retomaria o seu curso normal. As pessoas que me tinham conhecido aos dezessete anos aquando da minha viagem a França ficaram impressionadas quando me voltaram a ver, dois anos depois, aos dezenove anos. Conservei esse novo rosto. Foi o meu rosto. Envelheceu ainda, evidentemente, mas relativamente menos do que deveria. Tenho um rosto lacerado de rugas secas e profundas, a pele quebrada. Não amoleceu como certos rostos de traços finos, conservou os mesmos contornos mas a sua matéria está destruída. Tenho um rosto destruído."

Trecho Marguerite Duras, O Amante.